SILENCIOSO E DESPACHADO COMO TODOS OS ELÉTRICOS, O I-PACE TEM A VANTAGEM DE SER ESPAÇOSO E TER UM ESTILO CONTEMPORÂNEO. CHEGA A SER MESMO DESPORTIVO. NO ENTANTO, CONVIVER COM ELE PODE SER UM INFERNO
Morando num terceiro andar de um prédio sem garagem, um automóvel elétrico puro está longe de figurar na nossa lista de opções. Mesmo que estivéssemos apaixonados pela tecnologia, a relação dificilmente evoluiria do plano meramente platónico. A falta de tomada não nos impediu, no entanto, de aceitar o desafio de ensaiar o Jaguar I-Pace P400 S. Já o conhecíamos da apresentação internacional, em Lagos, no Algarve, onde as baterias estavam sempre carregadas e a autonomia nunca foi problema.
Quando fomos buscar o I-Pace P400 as baterias também estavam carregadas, anunciava 427 km de autonomia, por isso não nos preocupámos. Arrancámos para a sessão fotográfica concentrados no silêncio e na qualidade do ambiente a bordo do I-Pace. Canalizado pelo desenho aerodinâmico, o ar desliza pela carroçaria sem criar vórtices ou zonas de turbulência.
Música e conversas não precisam de adaptar o volume à velocidade, uma vez que o silêncio da deslocação é apenas interrompido pelo zumbido dos motores elétricos. Uma importante ajuda para o condutor, cuja perceção da velocidade pode ser diminuída pela falta da banda sonora produzida pelo escape. O seletor dos modos de condução ajusta a intensidade do sintetizador de som aos programas Eco, Comfort e Dynamic.
Rodas nos cantos
Sem motor térmico, caixa de velocidades e linha de transmissão para arrumar, o I-Pace pôde empurrar as rodas para os extremos da carroçaria, esticando a distância entre eixos até aos três metros de um comprimento total de 4,68 m. O espaço disponível foi bem aproveitado pelo interior, que oferece quatro bons lugares, complementados por um banco que a ausência de túnel central não chega para tornar confortável.
Lugares traseiros com espaço para as pernas e acesso desimpedido não comprometem a capacidade da mala, que chega aos 656 litros. Rebatendo as costas da fila traseira prolonga-se o piso plano ao mesmo tempo que se amplia a capacidade para os 1453 litros. Porque não há motor térmico, o capot esconde um pequeno compartimento com 27 litros de capacidade, ideal para arrumar os cabos de carga da bateria.
A qualidade dos materiais acompanha a elegância do desenho do interior. Muita pele, muita Alcantara e muitos plásticos macios realçados por acabamentos cromados. Inevitáveis, os lacados surgem como prolongamento do par de ecrãs da consola central. Em cima o entretenimento. Com exceção do volume, todas as restantes funções são táteis. Em baixo a climatização, com comandos rotativos para a temperatura e velocidade. Este ecrã pode igualmente apresentar atalhos para o rádio e telemóvel. Em cima como em baixo, a rapidez de resposta dos menus não acompanha a qualidade do grafismo.
Mais rápido, o painel de instrumentos digital tem diversas formas de apresentar a informação diretamente relacionada com a condução. A interação com os menus é feita com os comandos do lado esquerdo do volante, estando os do lado direito reservados para os sistemas de apoio à condução, como o cruise control adaptativo ou o assistente de manutenção na faixa de rodagem. A posição de condução elevada, que pode parecer desajustada num interior muito próximo ao de uma berlina, promove a visibilidade dianteira. Para trás, perante o vidro pequeno e inclinado, não há muito a fazer para além de confiar na ajuda da câmara para as manobras de estacionamento.
Estacionar ou manobrar o I-Pace em espaços apertados revelou-se uma tarefa inesperadamente difícil. A somar aos mais de 4,6 m de comprimento e 1,9 metros de largura, o Jaguar tem uma brecagem muito reduzida. Entre os motores elétricos alojados nos eixos e as enormes jantes de 22’’, com pneus 255/40, não sobra muito espaço para as rodas virarem.
À carga!
Terminadas as fotos e concluídas mais algumas voltas do quotidiano chegámos a casa com um total de 163 km percorridos desde o levantamento do I-Pace. A autonomia da bateria anunciava 110 km. Não nos preocupámos, porque temos três postos de carregamento na zona. Um não funcionava e os outros dois estavam ocupados. Começámos a ficar preocupados.
Situada num segundo andar e com estacionamento reservado debaixo da janela, a redação permite carregar os automóveis elétricos ou PHEV com o recurso a uma simples extensão. Foi a primeira coisa que fizemos no segundo dia com o Jaguar elétrico, mas nem por isso ficámos mais descansados. Sendo um elétrico puro, o I-Pace precisa de uma bateria com 90 kWh para poder anunciar uma autonomia de 480 km.
Ligado a um carregador rápido bastam 40 minutos para carregar 80% da bateria ou 15 minutos para acrescentar 100 km à autonomia. A wallbox da Jaguar precisa de dez horas para carregar a bateria de zero a 80%. Com a bateria a 31% e limitados a uma tomada caseira, a mensagem do painel de instrumentos não era particularmente animadora: 28 horas e 38 minutos até à carga total. Ficámos muito preocupados!
No final do dia, o ganho de autonomia era mínimo. Com menos de 100 km, não havia forma de continuar o ensaio sem disputar com os motoristas da Uber o acesso aos carregadores rápidos. Ao chegar a casa tivemos a sorte de encontrar vaga num dos postos da Mobi.e. Com uma corrente de 3,7 kW, o I-Pace estaria carregado dali a cerca de 19 horas. Felizmente era sexta-feira. Passou o fim-de-semana ligado ao posto de carregamento e na segunda-feira tinha a bateria a 100%. Fosse da condução praticada nos dias anteriores ou dos 10 graus de temperatura, a autonomia não ultrapassava os 326 km.
Ao contrário dos motores térmicos, o par de motores elétricos é mais eficiente em cidade do que em estrada. Em ambiente urbano o I-Pace efetuou média de 18,2 kWh, contra 30,6 kWh em autoestrada e 23,4 kWh em estrada. A média final fixou-se nos 22,6 kWh, correspondentes a uma autonomia real de 400 km.
Se em ambiente urbano o I-Pace tem a condução silenciosa que se espera de um automóvel elétrico, em estrada revela-se uma agradável surpresa. Com um motor de 200 cv em cada eixo, o I-Pace P400, dos 400 cv de potência combinada, não parece pesar as mais de 2,2 toneladas que apresenta na ficha técnica. O segredo por trás dos 4,8 segundos do arranque até aos 100 km/h está nos 696 Nm de binário instantâneo. É esmagar o acelerador e afundar no banco desportivo, enquanto o I-Pace dispara com o som de uma nave espacial num filme de ficção científica.
Desenvolvido de raiz como um elétrico, a primeira arquitetura do género utilizada pela Jaguar, o I-Pace arruma as baterias entre os eixos. Esta solução, complementada pela habitual utilização intensiva do alumínio, permite criar um centro de gravidade particularmente baixo e distribuir o peso equitativamente pelos dois eixos. Com uma resistência à torção de 36 kNm/º, o I-Pace é igualmente o modelo mais sólido da Jaguar.
Como não há milagres, o peso faz-se sentir nas curvas… No entanto, ao alinhar o peso das baterias com os eixos, o I-Pace alarga a trajetória como um bloco, com a carroçaria a resistir estoicamente às acelerações laterais. Movendo-se apenas no plano horizontal, segue a estrada com grande determinação, beneficiando de uma direção com um peso adequado à condução desportiva. Com a velocidade, as jantes de 22’’, que em cidade insistem em contar as pedras da calçada, ganham uma inesperada resistência às vibrações, mantendo um nível de conforto bastante aceitável.
O lado menos agradável da disponibilidade instantânea do binário nos automóveis elétricos, é a dificuldade que se sente em dosear o acelerador. Sem a progressividade dos motores térmicos, parece haver apenas duas posições: tudo e nada. Não levantando totalmente o pé direito ainda dá para dosear a entrega de força, mas quando se retoma o acelerador depois de o soltar por completo, a resposta é sempre brusca. Por um lado, a saída das curvas é fulminante. Por outro lado, o controlo de tração não tem descanso.
Travagem regenerativa
Muito solicitados, os travões não demoram a perder a sensibilidade. Com dois níveis de intensidade, a travagem regenerativa permite conduzir em cidade só com o acelerador. Em estrada, depois de entrar no ritmo, também é possível deixar a travagem regenerativa gerir a velocidade. Em condução desportiva, é aconselhável optar pelo nível mais baixo de regeneração, para que o I-Pace tenha um comportamento mais próximo ao de um automóvel “normal”.
Dominados os efeitos do peso, a frente é fácil de posicionar. No entanto, sem caixa e sem a compressão dos motores térmicos, há que aprender a confiar no travão. Apesar da resposta imediata dos motores elétricos, o comportamento do I-Pace é sempre neutro, curvando e acelerando como um bloco bem equilibrado.
Ficámos tão impressionados com a dinâmica do Jaguar elétrico que nos esquecemos de olhar para a autonomia. quando o fizemos deparámos outra vez com menos de 100 km. Tendo em conta que a nossa volta ronda os 100 km, a autonomia do I-Pace é equivalente à de um F-Type SVR com motor V8 de cinco litros e 575 cv. Ao contrário do coupé, que atesta o depósito em poucos minutos, o I-Pace P400 precisa de muitas horas para carregar a bateria. Desta vez não nos preocupámos. Fomos devolvê-lo diretamente à Jaguar.
Jaguar I-Pace P400 S
Preço (versão base) 80 417 €
Motores 2 X 200 CV
Binário 696 Nm
Rel. Peso/potência 5,5 CV/kg
Transmissão Integral; 1 VEL.
Peso 2208 KG
Comp./Larg./Alt. 4,68/1,90/1,57 M
Distância entre eixos 3 M
Desempenho 4,8 s 0-100 KM/H;
200 KM/H VEL. MÁX.
Consumo 22,6* kWh/100 KM
Emissões CO2 0 G/KM (CLASSE A)
IUC 0 €
*MEDIÇÕES TURBO
TEXTO: RICARDO MACHADO / FOTOGRAFIA: LUÍS VIEGAS
DATA: 14 DE AGOSTO, 2019
Fonte: Revista Turbo